quinta-feira, 31 de maio de 2007

. um encontro que revela .

"Às vezes, quando eu não dormia à noite, eu me perguntava se realmente estava viva. É assim com todo mundo? Ou será que uns têm mais talento para viver do que outros? Ou será que alguns jamais vivem, mas apenas existem? Estou morta de medo. Estou morta de medo e vejo uma imagem terrível de mim mesma. Eu jamais amadureci. Meu rosto e meu corpo envelheceram. Eu adquiri lembranças e experiências mas, com tudo isso, eu nem cheguei a nascer. Não consigo me lembrar de nenhum rosto, nem mesmo do meu."

Charlotte
em 'Sonata de Outono'
de Ingmar Bergman

Essa noite, ao assistir 'Sonata de Outono', entendi porque estava evitando Bergman. Depois de tanto tempo, pude compreender porque escrever minha monografia foi tão doído. Sou incapaz de racionalizar diante de um pensamento seu. Meu peito aperta desde o primeiro minuto de filme. Me vejo exposta e me encaro. É um encontro com aquilo que parece inominável, mas sendo impossível me pôr à parte de qualquer que seja o seu raciocínio. Bergman me assusta. Como ele consegue explodir em gestos e palavras coisas tão complexas, contraditórias, confusas, delirantes, e ser capaz de o fazer tão perfeitamente a ponto de constranger?

Não há direcionamento, ele apenas escancara. Esmiuça as emoções de seus personagens de maneira tão humana que é impossível não se encontrar por um detalhe que seja em todos eles ao mesmo tempo. A vida ganha vida na tela.

E, meu Deus, só agora, diante de outro dos Bergmans, pude ver perfeitamente meus seis meses de monografia: entendi o cansaço, a fuga, a mudez, o bloqueio, o desespero. Eu não estava lidando com Bergman somente, não era o vermelho da obra fechada 'Gritos e Sussurros' que estava em análise, era também comigo mesma. Havia um espelho. Dessa maneira, não houve nada de Bergman que eu tenha visto até hoje que não tenha causado esse desconforto de me sentir revelada.

E, ao mesmo tempo que fujo de suas obras como o fiz recentemente, há qualquer coisa que me puxa. Talvez pela necessidade de abrir os olhos de dentro de vez em quando. A cegueira não parece fazer parte da minha natureza, por mais que ela me pareça cômoda.

"Eu preciso aprender a viver. Eu treino todos os dias. Meu maior obstáculo é eu não saber quem sou. Vou tropeçando, às cegas. Se alguém me amar do jeito que eu sou, talvez eu finalmente me arrisque a olhar para mim mesma. Para mim, essa possibilidade é bastante remota."

treço do primeiro livro de Eva
em 'Sonata de Outono'
de Ingmar Bergman

Um comentário:

Jana disse...

Lu, as pessoas desaparecem. Acontece o tempo todo. As que tem consciencia disso que ficam mais cansadas por tentar nadar contra a corrente que puxa pro olho do redemoinho. As outras, nao ligam, vao tomando banho, até acham divertido.